Poesia feita em casa está dividido em quatro partes (Ela, a mãe; Ele, o menino; A casa; O cotidiano) e reúne poesias e textos poéticos em forma de haicai e tanka, a maioria escrita a partir de janeiro de 1998, quando deixei o jornal O Diário de Osasco, último trabalho fixo como jornalista. De lá para cá, alternando raros e mal pagos free-lancers, para ocupar o tempo de sobra que um desempregado tem, entreguei-me à tentativa de fazer jorrar uma pretensa veia poética, a qual, por duas vezes, rendeu-me prêmios no tradicional Festival de Músicas e de Poesias de Paranavaí (PR), entre outros concursos dos quais tenho participado e alcançado algum destaque. Neste exercício, também uma forma de aliviar a angústia por estar fora no mercado de trabalho e sem «produzir» algo de útil, encontrei no haicai minha forma de expressão preferida, dada a brevidade e capacidade de transmitir o suficiente com o mínimo, conforme o professor da Unicamp Paulo Franchetti definiu, capturando instantes que não se repetem nas relações do homem com o próximo e com o meio-ambiente. Muitos ainda discutem se a arte popularizada por Matsuo Basho seria ou não poesia, mesmo depois de Haroldo de Campos, Otávio Paz e Roland Barthes, entre outros, terem se debruçado sobre este gênero, produzindo estudos e ensaios fantásticos que já deveriam ter sepultado, ao meu ver, esta dúvida. Impulsionado pela paixão por haicais, os textos que componho nesta forma começaram a se acumular. Chegou o momento no qual percebi que não faz sentido escrevê-los e manter tanto material guardado, juntando pó, longe dos olhos do público, sem a chance de uma avaliação crítica. Senti-me desafiado a tentar reuni-los em livro, encontrando uma unidade, um fio condutor, um corpo dentro de um determinado tema ou contexto para pô-los
Adotei
Sobre haicai, convém também fazer alguns comentários. Oriunda do Japão, é uma forma de compor poesia já bastante praticada no Brasil e em outros países. As regras clássicas japonesas sugerem textos sem título nem rima, escritos em apenas três linhas (divididas em 5, 7, e 5 sílabas, totalizando 17) e um kigo ou termo-de-estação. O kigo geralmente é o motivo do haicai e o situa dentro de uma das quatro estações do ano. No Brasil, os membros do Grêmio Haicai Ipê, da Aliança Cultural Brasil-Japão,
Muita gente, no entanto, é fiel apenas à forma em três linhas, desconsiderando quaisquer outras recomendações. Paulo Leminski, por exemplo, ficou conhecido pela sua liberdade formal, escrevendo textos antológicos aclamados pelos haijins (praticantes de haicai segundo as tradições japonesas) e vem sendo brilhantemente sucedido pela esposa, Alice Ruiz. O professor Franchetti, por sua vez, embora conserve o kigo, em nome do conteúdo, nem sempre escreve em 5-7-5. Millor Fernandes, que celebrizou o gênero nas páginas de O Cruzeiro e da Veja, usa rimas, mas esquece a métrica. Já Guilherme de Almeida (1890-1969) desenvolveu uma forma própria de escrever haicais que ficou conhecida como “guilhermina”. O «Príncipe dos Poetas» dava títulos aos poemas, rimava a primeira e a última linhas e, dentro da segunda linha, fazia rimas internas, unindo a segunda e a sétima sílabas. Eis um haicai de Almeida, intitulado Quiriri:
Calor. Nos tapetes
tranqüilos da noite, os grilos
fincam alfinetes.
Quanto aos tankas, cabe também uma pincelada. A exemplo do haicai, eles devem ter uma estrutura padrão, em 5-7-5-7-7, totalizando 31 sílabas. Alguns autores, por sinal, explicam que o haicai derivara exatamente deste modelo, do qual aproveitou as três primeiras linhas para se tornar um gênero próprio, com outras peculiaridades.
Marcelino Jesus de Lima, Carapicuíba, novembro de 2.002
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