quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Apresentação

Poesia feita em casa está dividido em quatro partes (Ela, a mãe; Ele, o menino; A casa; O cotidiano) e reúne poesias e textos poéticos em forma de haicai e tanka, a maioria escrita a partir de janeiro de 1998, quando deixei o jornal O Diário de Osasco, último trabalho fixo como jornalista. De lá para cá, alternando raros e mal pagos free-lancers, para ocupar o tempo de sobra que um desempregado tem, entreguei-me à tentativa de fazer jorrar uma pretensa veia poética, a qual, por duas vezes, rendeu-me prêmios no tradicional Festival de Músicas e de Poesias de Paranavaí (PR), entre outros concursos dos quais tenho participado e alcançado algum destaque. Neste exercício, também uma forma de aliviar a angústia por estar fora no mercado de trabalho e sem «produzir» algo de útil, encontrei no haicai minha forma de expressão preferida, dada a brevidade e capacidade de transmitir o suficiente com o mínimo, conforme o professor da Unicamp Paulo Franchetti definiu, capturando instantes que não se repetem nas relações do homem com o próximo e com o meio-ambiente. Muitos ainda discutem se a arte popularizada por Matsuo Basho seria ou não poesia, mesmo depois de Haroldo de Campos, Otávio Paz e Roland Barthes, entre outros, terem se debruçado sobre este gênero, produzindo estudos e ensaios fantásticos que já deveriam ter sepultado, ao meu ver, esta dúvida. Impulsionado pela paixão por haicais, os textos que componho nesta forma começaram a se acumular. Chegou o momento no qual percebi que não faz sentido escrevê-los e manter tanto material guardado, juntando pó, longe dos olhos do público, sem a chance de uma avaliação crítica. Senti-me desafiado a tentar reuni-los em livro, encontrando uma unidade, um fio condutor, um corpo dentro de um determinado tema ou contexto para pô-los em papel.
Adotei
, então, o critério de agrupá-los em vários projetos de livros. Um deles é este, Poesia feita em casa, obra inspirada nas minhas vivência e experiências no relacionamento com meu filho e com minha mulher e também no meu dia a dia dentro de casa, onde terminei “confinado” pela falta de trabalho. Nestes tempos bicudos, Rosa e Jorge Henrique têm sido meus timoneiros, meus esteios, proporcionando-me inesquecíveis momentos, razão pela qual, perdoem-me se parecer pedante, são personagens em vários dos textos aqui presentes. O meu lar, doce lar, e até momentos íntimos, estão refletidos e confessados nestas páginas. Falando de forma popular: elas são o limão amargo que transformei, espero, em doce limonada ao tentar aumentar o calibre daquela tal veia supostamente poética. Um elixir para evitar o desânimo e a depressão por estar «ocioso». Com Poesia feita em casa também espero abrir as portas do exigente círculo poético, assinando um produto que, quiçá, tenha qualidade e possa apontar-me alternativas, inclusive profissionais. Aqui cabe uma ressalva: considero-me bom jornalista, com razoável capacidade de expressão e de crítica, que flerta com a linguagem poética. Sou capaz de fazer uma ou outra poesia “dez”, mas não ouso apresentar-me como poeta por ai, pelo menos por enquanto. Não tenho e nem sigo estilo ou escola, embora apaixonado por haicai. Quando escrevo, necessariamente, utilizo rimas, ou preocupo-me com ritmo ou métrica, recursos que tão bem utilizavam os saudosos João Cabral de Mello Neto e Carlos Drummond de Andrade. Acrescento, ainda: persigo a coloquialidade, a liberdade formal do itabirano, de Manuel Bandeira, de Mário Quintana, de Paulo Leminski. Mais: nesta concessão que faço a mim mesmo, em nome do conteúdo, em muitos poemas surgem termos populares, ditos como gíria. Os críticos literários, os amantes da língua puramente culta em permanente plantão, os que anseiam por novas linguagens poéticas, então, que me perdoem. Ou que me condenem: não sei se irei atendê-los, aliás, atrevo-me a não querer atendê-los .
Sobre haicai, convém também fazer alguns comentários. Oriunda do Japão, é uma forma de compor poesia já bastante praticada no Brasil e em outros países. As regras clássicas japonesas sugerem textos sem título nem rima, escritos em apenas três linhas (divididas em 5, 7, e 5 sílabas, totalizando 17) e um kigo ou termo-de-estação. O kigo geralmente é o motivo do haicai e o situa dentro de uma das quatro estações do ano. No Brasil, os membros do Grêmio Haicai Ipê, da Aliança Cultural Brasil-Japão, em São Paulo, fizeram algumas adaptações nestas regras para melhor ajustá-las à nossa língua, mantendo imutável a exigência do kigo. Uma destas mudanças diz respeito à metrificação. Ao compor, é importante tentar que a sílaba tônica da última palavra de cada linha seja sempre a quinta ou a sétima, já que as seqüentes, de acordo com a metrificação portuguesa, não são contadas. A elisão também altera a forma de se contar as sílabas. Se na mesma linha uma palavra terminar e for precedida por outra começada por vogal, ambas (as vogais) devem ser fundidas e contadas como uma só.
Muita gente, no entanto, é fiel apenas à forma em três linhas, desconsiderando quaisquer outras recomendações. Paulo Leminski, por exemplo, ficou conhecido pela sua liberdade formal, escrevendo textos antológicos aclamados pelos haijins (praticantes de haicai segundo as tradições japonesas) e vem sendo brilhantemente sucedido pela esposa, Alice Ruiz. O professor Franchetti, por sua vez, embora conserve o kigo, em nome do conteúdo, nem sempre escreve em 5-7-5. Millor Fernandes, que celebrizou o gênero nas páginas de O Cruzeiro e da Veja, usa rimas, mas esquece a métrica. Já Guilherme de Almeida (1890-1969) desenvolveu uma forma própria de escrever haicais que ficou conhecida como “guilhermina”. O «Príncipe dos Poetas» dava títulos aos poemas, rimava a primeira e a última linhas e, dentro da segunda linha, fazia rimas internas, unindo a segunda e a sétima sílabas. Eis um haicai de Almeida, intitulado Quiriri:

Calor. Nos tapetes
tranqüilos da noite, os grilos
fincam alfinetes.

Em Poesia Feita em Casa só não há haicais guilherminos, cuja composição considero difícil, quase artificial, elaborada por demais, rebuscada em certos casos. No mesmo espírito de liberdade das outras formas de poesia, entre os haicais relacionados nesta obra, nem todos atendem às regras japonesas, nem têm kigo. Eles foram agrupados em séries que falam de assuntos ou fenômenos cotidianos que aconteceram no contexto da minha relação familiar ou dentro de minha casa, obedecendo à proposta do conjunto da obra. A maioria tem travessão ou ponto final separando linhas -- esta, uma recomendação do Grêmio Haicai Ipê para tentar facilitar a compreensão do texto pelo leitor.
Quanto aos tankas, cabe também uma pincelada. A exemplo do haicai, eles devem ter uma estrutura padrão, em 5-7-5-7-7, totalizando 31 sílabas. Alguns autores, por sinal, explicam que o haicai derivara exatamente deste modelo, do qual aproveitou as três primeiras linhas para se tornar um gênero próprio, com outras peculiaridades. Em Poesia Feita em Casa desviei-me igualmente, várias vezes, desta regra, optando apenas por ser fiel à estrutura e ao conteúdo. Para quem quiser saber mais sobre o gênero, o livro que recomendo é Um Estreito Chamado Horizonte, de Raimundo Gadelha, publicado em 1992 pela Aliança Cultural Brasil Japão.

Marcelino Jesus de Lima, Carapicuíba, novembro de 2.002


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